terça-feira, 29 de maio de 2012

Os Livros da Nova Era

    Que a informática dominará o mercado editorial, ninguém discute. Assim como já podemos "ler" um livro pelo toca-fitas do carro, muito em breve será possível devorar um Jorge Luis Borges através da tela do computador. Outro dia, conversando com um editor, fui devidamente catequisada: o livro como conhecemos hoje, feito de papel, está condenado. Abram alas para o livro digital!
    Diante dessa profecia desanimadora, recorri aos clichês de praxe: Como levaremos o livro para a praia, para a cama, para a rede? Elementar, minha cara Neanderthal, respondeu o editor. O computador não será o trambolho que conhecemos hoje. As telas serão menores do que uma calculadora de bolso e poderão ser acopladas nuns óculos, por que não?
    Seja feita a vontade de Bill Gates. Mas, no que me diz respeito, não vou deixar meus livros virarem peça de museu. O livro não é um produto descartável: usou, joga fora. Nunca fiz isso nem com namorado, imagine com um livro que é muito mais útil.
    Existe uma sensível diferença entre gostar de ler e gostar de livros. Muitos dos que se incluem no primeiro grupo lêem apenas revistas, manuais de instruções,outdoors, bulas de remédio, encartes de discos, volantes distribuídos em sinaleiras e um que outro best-seller, tudo em nome da informação. Nada contra, antes isso do que ser analfabeto.
    E há os fanáticos. Aqueles que tem com o livro uma relação intima, quase religiosa, e não deixam para abri-lo só quando a tevê está estragada. Eu, por exemplo, gosto do cheiro dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. Depois reabro e continuo a viagem. Gosto de sublinhar as passagens mais tocantes. Gosto do barulho das páginas sendo folheadas. Gosto das marcas de velhice que o livro vai ganhando: orelhas retorcidas, a lombada descascando, o volume ficando meio ondulado como manuseio. Tem gente que diz que uma casa sem cortinas é  uma casa nua. Eu penso o mesmo de uma casa sem livros. É como se fosse habitada por pessoas sem imaginação, que não tem histórias pra contar. Prefiro casas mal assombradas pelos fantasmas de Virginia Woolf, Monteiro Lobato, Dorothy Parker. Prefiro até mesmo um Paulo Coelho jogado em cima do sofá do que uma almofada comprada em Santiago de Compostela, vejam a que estado cheguei.
    Reconheço que esta minha resistência à tecnologia é antiga e inútil. Até hoje morro de saudades das charmosas máquinas de escrever manuais, com seu tlec-tlec-tlec, o chão lotado de papéis amassados e um cigarro abandonado acesso no cinzeiro. Acho a cena romântica à beça,eu que nem fumo. Não nego que viver sem computador, hoje, é o mesmo que viver sem geladeira. Mas não consigo imaginar o livro deixando de der um objeto para ser um equipamento. O livro podendo ser apagado. As livrarias se transformando biblioteca cabendo numa única gaveta. Como serão as sessões de autógrafos? Que graça terão as aulas de inglês, se o book não estará mais on the table?
    Que venham as Bienais e Feiras do Livro cibernéticas, mas não se apressem por minha causa. Folhear um livro com o mouse não haverá de ser meu hobby preferido.




Martha Medeiros - Topless/Outubro de 1995









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